O debate pela elaboração dos Termos Circunstânciados - TCs, por Policiais Militares, ainda é discussão no Brasil, e percebe-se de que tal matéria ainda será tema de muito debate na esfera judicial, pelo menos até o STJ decidir se a Polícia Militar continuar a elaboração de tais atos, infringiria o Art. 69 da lei 9.099/ 95.
A discricionariedade da Administração Pública em regulamentar, através de Resoluções, de que a P.M. tem legitimidade para elaborar TCs, não poderia ultrapassar a hierarquia de Lei Federal como é o caso, pois não há direito líquido e certo para discussão judicial do assunto, e sim tão somente mero interesse da Corporação Militar em atuar neste sentido, uma vez que tal ato é de competência da autoridade policial, que é o Delegado de Polícia.
Também deve-se levar em conta aqui, que a P.M. terá poder de exaurir o TC, quando encontrar e identificar no local as partes e principalmente o autor do fato, caso isso não ocorra, obrigatóriamente, deverá passar para a Polícia Civil investigar o caso e dar continuidade ao feito.
Ou seja, fazem a parte mais fácil e o mais difícil fica para a Polícia Civil, pois a Polícia Militar não tem poder constitucional de investigação de crimes e delitos.
Segundo o art. 69 da Lei n.º 9.099/95, in verbis, "a autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários".
O mesmo dispositivo legal ainda assevera em seu art. 92 que "aplicam-se subsidiariamente as disposições dos Códigos Penal e de Processo Penal, no que não forem incompatíveis com esta Lei."
O art. 4º do Código de Processo Penal é claro em estabelecer que a polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria.
Ora, o fato da infração penal ser de menor potencial ofensivo ou não, de maneira alguma, altera a legitimidade para as práticas processuais penais previstas em lei.
Dessa forma, o Termo Circunstanciado de Ocorrência, da mesma forma que o Inquérito Policial, somente pode ser presidido por Delegado de Polícia, nos termos da Carta Magna, em seu art. 144, cabendo a Polícia Militar sua função constitucional de polícia ostensiva e a preservação da ordem pública.
Para juristas como José Afonso da Silva, Antônio Evaristo de Morais Filho e Júlio Fabrini Mirabete, apenas a Polícia Civil pode desempenhar a função de Polícia Judiciária.
Discutindo especificamente o conceito de autoridade policial Carlos Alberto Marchi de Queiroz apregoa que a autoridade policial referida pelo artigo 69, caput, da Lei 9.099/95, é a autoridade policial da unidade policial da respectiva circunscrição, ocupante do cargo de Delegado de Polícia de carreira ou não, não podendo ser o policial de rua que não tem atribuição para cumprir as diligências imprescindíveis ao oferecimento da denúncia, nem para atender ao rito imposto pelo juiz comum, por exemplo o inquérito policial, conforme a lei, de maneira cristalina, declina, conforme acima demonstrado.
Ademais, em artigo sobre o tema Luiz Carlos Couto defende que além da Polícia Militar estar agindo inconstitucionalmente, estaria descumprindo duas normas do Código de Processo Penal Militar, pois a Polícia Militar só pode realizar a atividade judiciária nos casos de infrações penais militares.
Por fim, ressalte-se, apesar da importância constitucional, tanto da Polícia Civil, como da Polícia Militar, não podemos, sob qualquer argumento, prático ou de celeridade, descumprir os ditames legais, sob pena de, em assim o fazendo, permitir-se que o cidadão em conflito com a lei, caminhe à margem da mesma, já que, não poderá ser submetido à medida oriunda de prova ilícita ou ilegítima.
Nestes termos, a solução mais correta, do ponto de vista técnico-jurídico, para que não advenha o risco da impunidade, em nome da celeridade ou interesses meramente corporativistas, visando não despojar de efetividade as importantes funções ostensiva e preventiva da Polícia Militar e para que não desvirtuemos a atividade judiciária da Polícia Civil, e ainda mais, para que não se cometa ilegalidade e, conseqüentemente, a impunidade do cidadão que transgrediu a norma penal, é a presidência legítima do Termo Circunstanciado de Ocorrência pelo Delegado de Polícia, posto que, a égide da lei e do Estado Democrático de Direito, não pode de modo algum ser afugentada.
Diante disso, uma decisão importante da 7a Câmara Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação n. 0035111-71.2009.8.26.0053, resolveu tal assunto, pelo menos no Estado de São Paulo, afirmando de que a decisão é pela incompetencia legal de Policiais Militares na elaboação de Termo Circustânciado.
Abaixo o Acórdão:
"PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Registro: 2012.0000448780
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação /Reexame Necessário nº 0035111-71.2009.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO e JUIZO EX-OFFICIO, é apelado ASSOCIAÇAO DOS OFICIAIS DA POLICIA MILITAR DO ESTADO DE SAO PAULO.
ACORDAM, em 7ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento aos recursos. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este
acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores COIMBRA SCHMIDT (Presidente) e GUERRIERI REZENDE.
São Paulo, 3 de setembro de 2012
Eduardo Gouvêa
RELATOR
Assinatura Eletrônica
Este documento foi assinado digitalmente por EDUARDO CORTEZ DE FREITAS GOUVEA.
Se impresso, para conferência acesse o site https://esaj.tjsp.jus.br/esaj, informe o processo 0035111-71.2009.8.26.0053 e o código RI000000ERW0L.
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação/Reexame Necessário n. 0035111-71.2009.8.26.0053 2
7ª Câmara de Direito Público
Processo nº 0035111-71.2009.8.26.0053
Comarca: São Paulo
Juiz sentenciante: Kenichi Koyama
Apelante: Fazenda do Estado de São Paulo e Juízo ex officio.
Apelado: Associação dos Oficiais da Policia Militar do Estado de São Paulo. (voto nº 13.786) apelação cível Mandado de segurança Visava anulação do artigo 1º e seu paragrafo único da Resolução SSP-233 de 09.09.2009 da lavra do Sr. Secretario de Segurança Pública do Estado de São Paulo, por violação do artigo 69 da Lei nº 9.099/95 Referido artigo, em resumo, determinava que todos os boletins de ocorrência deveriam ser elaborados por delegados de policia, impedindo na pratica, a elaboração dos boletins de ocorrência da pratica de infração penal de menor potencial ofensivo, por policiais militares A r. sentença de primeiro grau concedeu em parte a segurança para anular a referida Resolução, permitindo na pratica, a elaboração de boletins de ocorrência por policiais militares, desde que assinadas juntamente com um Oficial de PM Por v. acórdão da Presidência deste Tribunal, foram suspensos os efeitos da sentença até o seu transito em julgado.
Recorre a Fazenda Estadual, alegando em preliminar, falta de interesse de agir, inexistência de direito liquido e certo e não ocorrência de prejuízo aos Oficiais da Policia Militar No mérito, que a sentença trará gravíssimos prejuízos ao Estado de São Paulo inviabilizando aplicação de diretrizes traçadas para a administração da Segurança Pública, bem como violação a discricionariedade da Administração Pública requerendo a denegação da segurança.
A r. sentença de primeiro grau será reformada, julgando-se improcedente o pedido, porque não configurado o direito liquido e certo pretendido, ausência de lesão aos Oficiais de Policia Militar, bem como a discricionariedade do Estado de São Paulo em definir normas de atuação das policias civil e militar.
Recursos providos.
Trata-se de recurso de apelação interposto pela Fazenda do Estado de São Paulo e reexame necessário, contra a r. sentença (fls. 206/213), proferida pelo MM. Juiz da 5ª Vara da Fazenda Pública da Capital, que concedeu em parte a segurança, em mandamus que visava anulação do artigo 1º e seu paragrafo único da Resolução SSP-233 de 09.09.2009
da lavra do Sr. Secretario de Segurança Pública do estado de São Paulo, por violação do artigo 69 da Lei nº 9.099/95, pois determinava que todos os boletins de ocorrência deveriam ser elaborados por delegados de policia, impedindo na pratica, a elaboração dos boletins de ocorrência da pratica de infração penal de menor potencial ofensivo, por policiais militares, “para anular a Resolução SSP 233/2009, permanecendo a necessidade de assinatura concomitante de Oficial da Policia Militar”.
Em síntese, alega a Fazenda do Estado de São Paulo, ora apelante, em preliminar, falta de interesse de agir, inexistência de direito liquido e certo e não ocorrência de prejuízo aos Oficiais da Policia Militar No mérito, que a sentença trará gravíssimos prejuízos ao Estado de São Paulo inviabilizando aplicação de diretrizes traçadas para a administração da Segurança Pública, bem como violação a discricionariedade da Administração Pública requerendo a denegação da segurança.
Foram apresentadas contrarrazões às fls. 295/309.
A Douta Procuradoria geral de Justiça, ofereceu parecer às fls. 317/331, opinando pelo provimento do
apelo e do reexame necessário.
É o relatório.
Em que pesem os argumentos e fundamentos da r. sentença monocrática, entendo que deva ser reformada, negando-se a segurança, salientando-se que a r. sentença de primeiro grau teve seus efeitos suspensos por v. acórdão da Presidência desta Corte de Justiça, até o seu transito em julgado (fls. 221/226).
A Associação dos Oficiais da Policia Militar do Estado de São Paulo AOPM, propôs o presente mandamus, pretendendo a anulação da Resolução SSP- 233/2009, que em seu artigo 1º, e paragrafo único, determinava
que:
Art. 1º - O policial civil ou militar, que tomar conhecimento da pratica de infração penal que se afigura de menor potencial ofensivo, deverá comunica-lo, imediatamente, à autoridade policial da Delegacia de Policia da respectiva circunscrição policial, a quem compete, por sua qualificação profissional, tipificar o fato penalmente punível.
Parágrafo único A comunicação prevista neste artigo, sempre que possível, far-se-á com apresentação dos
autores, vítimas e testemunhas.
Alegava a impetrante que o referido artigo e paragrafo único, violariam o artigo 69 e seu paragrafo único, da
Lei nº 9.099/95 que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, desprestigiando os princípios da oralidade, simplicidade, economia processual e celeridade, em beneficio do interesse público, in verbis:
Art. 69 A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários.
Parágrafo único Ao autor do fato que, após a lavratura do termo, for imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, não se imporá prisão em flagrante, nem se exigira fiança. Em caso de violência domestica, o juiz poderá determinar, como medida de cautela, seu afastamento do lar, domicilio ou local de convivência com a vitima.
Alegava ainda, que a referida Resolução retiraria dos Policiais Militares a possibilidade de elaborarem termos circunstanciados ou boletins de ocorrência, o que já vinham fazendo, em algumas localidades do Estado de São Paulo, inclusive, com respaldo nos Provimentos nº 758 de 2001, 806 de 2003 e CSM 1670/2009 desta Corte de Justiça.
Argumentavam também que a Doutrina predominante no Judiciário Nacional não restringia a elaboração dos termos circunstanciados apenas por Delegados de Policia.
Todavia, não prosperam os argumentos do impetrante.
Segundo o festejado Hely Lopes Meirelles, em (Mandado de Segurança, 30ª ed., - Malheiros, p. 38), “Direito liquido e certo é aquele que se apresenta manifesto na existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocável, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo a segurança, embora possa ser defendido por outros meios processuais. Quando a lei alude a direito liquido e certo, exige que esse direito se apresente com todos os requisitos para seu conhecimento e exercício no momento da impetração. Em ultima analise, direito liquido e certo é direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é liquido nem certo, para fins de segurança”.
Portanto, entendo que não há Direito Liquido e certo a ser amparado, pois pelo que se verifica do caso a autoridade que elaborou a Resolução que se pretende anular, não ofendeu qualquer direito dos impetrantes, Oficiais de Policia Militar do Estado de São Paulo, através de sua associação, nem houve ameaça a seu “status”, pois apenas regulamentou, como lhe é de direito amparado pelo artigo 4º da Lei orgânica da Policia do estado de São Paulo (Lei Complementar nº 207 de 05.01.1979), como devem ser os procedimentos para elaboração de termos circunstanciados, dentro da sua discricionariedade.
Aliás, como bem dito pelo Ilustre Promotor de Justiça Dr. Lycurgo de Castro Santos, em seu parecer às fls. 203 “No caso, a impetrante não demonstrou possuir direito. Ao contrário, deixa entrever em seu arrazoado, apenas a existência de mero interesse, que se consubstancia na pretensão de não atribuir de competência para elaboração dos termos circunstanciados apenas ao Delegado de Policia Civil, pois feriria o art. 69 da lei nº 9.099/95”.
Já quanto a alegação de que a elaboração dos temos circunstanciados por policiais militares, estaria amparada pelos Provimentos acima mencionados desta Egrégia Corte de Justiça, a leitura atenta deles demonstra que somente autorizavam os Juízes de Direito a tomar conhecimento dos termos elaborados por policiais militares, desde que também assinados por Oficial da Policia Militar, na época em que a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, autorizava policiais militares a elaborar termos circunstanciados ou boletins de ocorrência.
Em conclusão, entendo que a Resolução SSP 233, ora guerreada, esta em consonância com o art. 144 da Constituição Federal, foi editada dentro da discricionariedade do Sr. Secretario de Segurança do Estado de São Paulo, e visa definir as competências das policias civil e militar na elaboração dos termos circunstanciados para infrações penais de menor potencial ofensivo, visando adequar a atuação das policias estaduais dando mais eficiência a sua atuação, e proporcionar a sociedade melhor atendimento Assim, não havendo direito liquido e certo a ser amparado, por não estar configurada qualquer lesão aos Srs. Oficiais da Policia Militar, e ter sido a Resolução editada dentro do poder discricionário do Sr. Secretario de Segurança Pública, entendo que deve ser reformada a r. sentença monocrática, denegando-se a ordem e por consequência mantendo valida a Resolução SSP 233, ora guerreada.
Ante o exposto, dou provimento aos
recursos.
Eduardo Gouvêa
Relator"